29 de julho de 2010

246

-Quem já leu?
-Eu li. Obrigada por me contar muito do que sou.
-Eu sei.


Um Pouco de Sossego
de Lya Luft, do livro Pensar é transgredir.


Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho, gostar de sossego é uma excentricidade.

Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar, ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma infinidade de obrigações. Muitas desnecessárias, outras impossíveis, algumas que não combinam conosco nem nos interessam.

Não há perdão nem anistia para os que ficam de fora da ciranda: os que não se submetem mas questionam, os que pagam o preço de sua relativa autonomia, os que não se deixam escravizar, pelo menos sem alguma resistência.

O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado. É indispensável circular, estar enturmado. Quem não corre com a manada praticamente nem existe, se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho.

Acuados pelo relógio, pelos compromissos, pela opinião alheia, disparamos sem rumo – ou em trilhas determinadas – feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.

Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença. Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo, ameaça quem leva um susto cada vez que examina sua alma.
Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de que não se arrumou ninguém – como se amizade ou amor se “arrumasse” em loja. Com relação a homem pode até ser libertário: enfim só, ninguém pendurado nele controlando, cobrando, chateando. Enfim, livre!

Mulher, não. Se está só, em nossa mente preconceituosa é sempre porque está abandonada: ninguém a quer.

Além do desgosto pela solidão, temos horror à quietude. Logo pensamos em depressão: quem sabe terapia e antidepressivo? Criança que não brinca ou salta nem participa de atividades frenéticas está com algum problema.

O silêncio nos assusta por retumbar no vazio dentro de nós. Quando nada se move nem faz barulho, notamos as frestas pelas quais nos espiam coisas incômodas e mal resolvidas, ou se enxerga outro ângulo de nós mesmos. Nos damos conta de que não somos apenas figurinhas atarantadas correndo entre casa, trabalho e bar, praia ou campo.

Existe em nós, geralmente nem percebido e nada valorizado, algo além desse que paga contas, transa, ganha dinheiro, e come, envelhece, e um dia (mas isso é só para os outros!) vai morrer. Quem é esse que afinal sou eu? Quais seus desejos e medos, seus projetos e sonhos?
No susto que essa idéia provoca, queremos ruído, ruídos. Chegamos em casa e ligamos a televisão antes de largar a bolsa ou pasta. Não é para assistir a um programa: é pela distração.

Silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconserto nosso. Com medo de ver quem – ou o que – somos, adia-se o defrontamento com nossa alma sem máscaras.

Mas, se a gente aprende a gostar um pouco de sossego, descobre – em si e no outro – regiões nem imaginadas, questões fascinantes e não necessariamente ruins.
Nunca esqueci a experiência de quando alguém botou a mão no meu ombro de criança e disse:

- Fica quietinha, um momento só, escuta a chuva chegando.

E ela chegou: intensa e lenta, tornando tudo singularmente novo. A quietude pode ser como essa chuva: nela a gente se refaz para voltar mais inteiro ao convívio, às tantas frases, às tarefas, aos amores.

Então, por favor, me dêem isso: um pouco de silêncio bom para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas lajes, e tudo o que fala muito além das palavras de todos os textos e da música de todos os sentimentos.

25 de julho de 2010

245

Acredito na teoria da compensação.

Vou pular, dançar, viajar, dormir e viver só pra tentar compensar o que me falta. Aos olhos alheios, safados e sacanas, como de muita gente que existe no mundo, vou ser alvo da mais pura inveja. Mas isto, saibam vocês, seria facilmente negociado por alguém que fosse capaz de tapar meu buraco negro.

Enquanto isto não acontecer, vou realizando meus sonhos adjacentes, com nada menos do que uma devassa branca ou um pinotage AFS. Sim, mesmo nos problemas, tenho bom gosto..

16 de julho de 2010

244

Eu tinha 5 minutos. Foi quando aquele gato incrível resolveu me ter só pra ele. Me pegou pelo braço e não largou mais.

Querendo que me soltassem, aos poucos fui retirando o braço enquanto ele continuava estraçalhando o casaco. Fiquei dependurada! Olhei para todos os lados, pensando que alguém poderia ajudar. Ninguém veio. Mirei bem no fundo dos olhos dele, que por sua vez não tirava os olhos de mim. Já tinham se passado 3 minutos. Do outro lado da cerca sorriam com a brincadeira. Eu sem medo..friamente calculando que esse amor carnal momentâneo estava a espera de um gongo que batesse os 5 minutos.

Foi numa distração....sim!! uma distração dele..
Puxei na hora certa. Soltou. E como não sou rancorosa, continuei rindo..porque agora um segundo gato se apresentou pra rolarem na terra inocentemente...

Gravei tudo!!! Quando cheguei em casa baixei para o computador, sem conferir se todas as provas tinham sido transmitidas..

O vídeo tinha sumido...
Mas a memória continua aqui, junto com meu braço e o casaco sujo de baba.

Vou lembrar junto com um emaranhado de lembranças, sempre antes de dormir. Tivemos a chance de nos conhecer melhor, profundamente melhor!

Se eu voltar, já serão os reis da selva querendo me comer por inteira!! Hahahhaa...

Duro foi chegar na lavanderia com a prova do crime, o casaco pontilhado de pequenos furos. A atendente perguntou: Que sujeira é esta? E eu, tentando esconder as provas respondi: Só água e terra...

Estava com pressa, e a história merecia ser contada com detalhes..o dia em que rolei na terra com dois lindos leõzinhos.

Esta foi a melhor lembrança que a África poderia ter me dado.

O-b-r-i-g-a-d-a

9 de julho de 2010

243

Ando sempre tentando fazer resumos da vida, tipo receitas infalíveis..bobagens cabíveis, olhando um teto branco de uma terra distante.

Hoje cheguei à conclusão que tudo talvez se resuma a confiar nas pessoas certas. Dar razão para razões que nem sempre são as suas, mas provém de fontes cujos princípios são os seus..é enxergar quando teus olhos ainda não aprenderam a controlar a incidência de luz..sim, não dá pra ver direito. Peço ajuda.

Não é tentar ser vidente, é dar crédito ao santo.
Muitos já confiaram e não confiaram em mim. E às vezes o contrário de confiança não significa desconfiar, pode ser só..deixar passar.

Digo tudo isto porque estou aqui num ato de confiança cega, em alguém que disse: VAI....e como vocês sabem,


fui.


Quem conjuga as idéias na primeira pessoa do singular,
É só um idiota solitário e desconfiado que finge andar em grupo.

:))




obs: e sim, existem a confiança traída, mas jamais pode ser comparada a felicidade de se ter alguém em quem se confie...